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12
Mar
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Autor: Geyssica Reis
Ciência e natureza: entenda como a erva-mate pode tornar implantes metálicos mais eficientes e duradouros
Entenda como duas pesquisas multidisciplinares na Universidade Federal do Paraná (UFPR) vem buscando integrar extrato de erva-mate em implantes metálicos, visando aumentar a longevidade do material e eficiência da implantação em pacientes com comorbidades como osteoporose e diabete.
Implantes metálicos são muito comuns na área odontológica e médica. Conforme o IBGE, aproximadamente 39 milhões de pessoas no Brasil utilizam algum tipo de implante dentário. Além disso, dados do SUS indicam que, nos últimos 10 anos, por exemplo, foram realizados cerca de 120 mil implantes de quadril e mais de 100 mil no joelho.
Apesar de já existirem materiais bem estabelecidos para a produção dos implantes metálicos, ainda assim existem algumas complicações que reduzem a taxa de eficiência neste procedimento. É nesta problemática que alguns professores e pesquisadores da Universidade Federal do Paraná (UFPR) estão estudando e buscando alternativas para melhorar a resposta da interface osso/implante.
Duas pesquisas estão em andamento e podem chamar a atenção, por um componente em comum: a erva-mate. É isso mesmo, a aplicação de extrato de erva-mate em implantes dentários e ortopédicos é tema de uma tese de Doutorado e de um projeto de Iniciação Científica junto ao Programa de Pós-Graduação em Engenharia e Ciência dos Materiais (PIPE-UFPR) e dos Departamentos de Engenharia Mecânica & Química. A Triunfo do Brasil está apoiando ambas as pesquisadoras, com o fornecimento do extrato da erva-mate.
Mas por que a erva-mate? Já se sabe que a planta é rica em compostos benéficos para a saúde, sendo, por exemplo, os polifenóis e saponinas com ação anti-inflamatória. Mas muitas pesquisas também já mostram que a planta é valiosa na prevenção da osteoporose e recomposição óssea.
Quem orienta os trabalhos são as professoras Cláudia Marino e Izabel Riegel (DQ). A primeira é química, doutora em Físico-Química (UFSCar) e atua no Departamento de Engenharia Mecânica (UFPR). E a segunda professora é engenheira química, doutora em Química (UFRGS) e atua no Departamento de Química (UFPR).
Cláudia explica que o titânio e suas ligas já são bem estabelecidos como materiais para implantes tanto dentário, como ortopédico. “Eles proporcionam uma boa funcionalidade e fixação óssea, chamada de osseointegração. Porém, ainda assim podem ocorrer intercorrências, sendo ineficiente a fixação e blindagem óssea e então, necessária nova cirurgia e a troca do implante. São estas intercorrências que queremos suprir com o uso de biomateriais com erva-mate, visando um tratamento da superfície”, explicou.
As principais intercorrências são o acúmulo de placa bacteriana, causando infecção, fratura do implante, além de comorbidades em alguns pacientes, como diabete ou o desenvolvimento de osteoporose com a perda óssea, principalmente, em mulheres na fase da menopausa.
Outro grande desafio também são os implantes de quadril ou joelhos, que comumente são ligas de titânio, alumínio e vanádio ou liga de cromo e cobalto, já que nesta função há necessidade de melhores propriedades mecânicas. Nestes casos, são geralmente substituídos a cada 10 ou 15 anos, em média. Além dessas ligas terem um custo elevado, algumas não são disponibilizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Sendo assim, as pesquisas buscam o desenvolvimento de novos biomateriais ou revestimentos contendo erva-mate para melhorarem a taxa de eficiência das superfícies dos implantes metálicos, prevenindo inflamações e rejeição, recuperando a densidade óssea no local e promovendo a blindagem óssea e, portanto, a longevidade do dispositivo.
Continue a leitura do artigo e entenda melhor como cada pesquisa será desenvolvida.
Iniciação Científica: obtenção de hidrogéis de pectina e extrato de erva-mate
O principal objetivo da pesquisa de iniciação científica desenvolvida pela graduanda Cecília Tubertini Zardo Gomes Miranda, do curso de Engenharia Mecânica, é a obtenção de um hidrogel formado por pectina, um ingrediente natural extraído de frutas, juntamente com o extrato de erva-mate. O hidrogel, material com aspecto gelatinoso, é um produto amplamente utilizado na medicina, principalmente em forma de pomada para cicatrização de feridas.
A co-orientadora do projeto, Renata Morais, farmacêutica, mestre em Biotecnologia Industrial e doutora em Engenharia e Ciência dos Materiais, explica que a ideia da pesquisa é que o hidrogel seja aplicado no local que o implante será fixado, no momento do procedimento. Com isso, pretende-se que a interação com o osso facilite sua integração, tornando o processo de recuperação mais eficiente.
“A fixação bem-sucedida de um implante envolve um complexo processo biológico. Quando um implante metálico é inserido cirurgicamente, deve haver um processo de osseointegração eficiente, para que o implante se fixe firmemente ao tecido ósseo. Esse processo é crucial tanto para implantes dentários quanto para aqueles usados em cirurgias de quadril e joelho”, explica Renata.
O primeiro estágio da osseointegração ocorre logo após a cirurgia, quando as células do sangue chegam à região do implante. A partir da chegada das células sanguíneas ao local do implante, forma-se um coágulo sanguíneo adjacente à superfície do implante e inicia-se a produção de proteínas e citocinas, desencadeando uma resposta inflamatória natural ao procedimento cirúrgico.
Com o tempo, essa inflamação dá lugar à formação de novos vasos sanguíneos, preparando o ambiente para a chegada das células osteogênicas, responsáveis pela formação óssea. Em cerca de sete dias, uma matriz composta por colágeno e células osteogênicas se estabelece. Por volta de quatro semanas, a formação de novo osso é observada na superfície do implante, permitindo a conexão do implante ao osso hospedeiro.
Como já mencionado, a erva-mate pode contribuir positivamente para esse processo. Renata exemplifica com uma pesquisa in vitro, advinda de sua revisão bibliográfica. “Neste estudo, o autor Victor Brito (UNESP) utilizou o extrato de erva-mate, na concentração de 10 mg/ml, o qual demonstrou promover a diferenciação osteoblástica, processo no qual células-tronco se transformam em osteoblastos, fundamentais para a formação óssea. Esse efeito é essencial para a osseointegração, pois os osteoblastos estimulam o crescimento ósseo ao redor do implante”, detalhou a farmacêutica.
Renata complementou ainda, que outro trabalho publicado pelo pesquisador Matheus Brasilino (UNESP), analisou o efeito do consumo oral de erva-mate em ratos. Os resultados, segundo ela, mostraram um aumento da área óssea e da densidade de osteócitos, células maduras que residem na matriz óssea e contribuem para a manutenção da estrutura óssea. “Esses achados reforçam o potencial da erva-mate na melhoria da osseointegração e na saúde óssea de modo geral”, comentou.
Tese de doutorado: implante dentário revestido com hidrogel contendo extrato de erva-mate busca reduzir inflamações, prevenir a peri-implantite e melhorar a osseointegração
No caso da tese de doutorado que está sendo desenvolvida pelo biotecnólogo, Rodrigo Amauri Nogoceke, mestre em Biociência e Tecnologia com especialidade em engenharia de tecidos e doutorando do PPG em Engenharia de Ciências e Materiais, a intenção é criar um revestimento de hidrogel, bem como de fibras eletrofiadas, contendo extrato de erva-mate para implantes dentários.
“A ideia veio em conversa com a professora Cláudia, pois encontramos diversas conexões entre nossas áreas de estudo. Além da experiência com hidrogéis e células, também trabalhei com titânio, e a proposta dela envolvendo a erva-mate despertou meu interesse. Ao estudar mais sobre essa planta, compreendi sua relevância para casos de inflamação crônica, como a peri-implantite, um problema comum em pacientes diabéticos e mulheres no pós-parto. Nessas situações, o organismo pode rejeitar implantes devido à inflamação persistente”, explicou.
Nogoceke acrescentou que a peri-implantite é um dos casos mais comuns de complicação em implantes dentários e é causada por bactérias que se alojam no implante, intensificando a inflamação e dificultando sua integração ao osso.
Para o doutorando, a erva-mate mostrou-se uma solução promissora e inovadora para o desafio de mitigar essa problemática. “A planta possui propriedades anti-inflamatórias, antibacterianas e ainda auxilia na regeneração óssea. Embora existam compostos que atuam em cada um desses aspectos separadamente, a erva-mate reúne todas essas funções em um único elemento, tornando-se extremamente valiosa para aplicações em implantes odontológicos”, afirma.
O grande desafio agora é a aplicação do extrato nesta área de implantes metálicos. Durante os quatro anos de desenvolvimento da sua tese, Nogoceke irá trabalhar com duas abordagens. ”A simples aplicação do extrato diretamente na região do implante teria efeito limitado, pois grande parte do composto seria absorvida pela corrente sanguínea e se perderia. Além disso, os pacientes não aceitariam aplicações frequentes. Para solucionar essa questão, entra o uso dos hidrogéis in situ (no local do implante). Eles podem carregar o extrato e liberá-lo gradualmente na região do implante, permitindo uma ação prolongada durante o processo de cicatrização”, detalha.
Outra abordagem da pesquisa será a incorporação do extrato da erva-mate ao próprio revestimento do implante dentário. Isso poderá ser feito por meio do uso de fibras de eletrofiação, que são redes poliméricas mais rígidas do que o hidrogel. Essas fibras podem ser impregnadas com o extrato, criando um revestimento que libera gradualmente os compostos ativos conforme as células interagem com o implante.
Com os resultados positivos, a pesquisa resultará em um produto inovador na área. “Existem diversos estudos sobre revestimentos com antibióticos, biomoléculas e extratos vegetais, mas ainda não há um revestimento que reúna todas as propriedades que a erva-mate oferece”, conclui Nogoceke.